sexta-feira, agosto 12, 2005

Pensamentos & Divagações

Cupido e Psiké

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentando,
Vencer o mal e o bem,
Antes, que, já libertado
Deixasse o caminho errado
Por o que a Princesa vem.

A Princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida.
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o seu destino
Ela dormindo encantada
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.


Fernando Pessoa